4ª Prova de 2016: Quando o equipamento ganha ao atleta

Trail de Conímbriga Terras de Sicó

Tempo: 03:57:03

Distância: 35.81kms
Classificação: DNF


Antes de descrever o que se passou durante a minha prova gostava de deixar aqui um testemunho do carinho que tenho por este evento... Quando ainda estava a dar os primeiros passos como atleta de trail, quando ainda estava a descobrir o que era correr ultra distâncias decidi inscrever-me nesta prova! Tinha vindo no ano anterior fazer a pequena e tinha gostado muito e naquele ano achei que conseguiria acabar os 60kms que a organização nos propunha... Saí forte, como gosto de sair, forte ao ponto de ir à frente da Susana Simões um bom bocado e ter ido atrás dela na primeira grande subida! Assim que cheguei ao cimo da primeira subida o músculo contraiu mais do que devia, um ameaço de caimbra obrigou-me a abrandar o ritmo, mas aos 20kms o ameaço passou a caimbra real e não tive outra solução se não abandonar! Lembro-me desta prova como se fosse hoje e ainda mais que da prova lembro-me dos ensinamentos que tirei dela:

1° - Um ultra trail não se deve fazer sem treino, e sem treino de serra ainda menos!

2° - Não tentes colar a quem te está a passar... Se tiveres força tens muito tempo de o voltar a apanhar!

Desde esta prova que estes ensinamentos sempre estiveram comigo e ficou sempre aquele carinho especial de quem quer vingar a única desistência na curta carreira de atleta de trail... A verdade é que no ano seguinte estive lá para fazer os 60kms e no ano passado regressei para fazer a minha primeira prova de 100kms com treino adequado e a correu às mil maravilhas! Foram 15h 40min com o meu mano mais velho que me deixaram muito satisfeito comigo mesmo!

Este ano a delegação do Caracol Trail Team era maior que a do ano anterior... Alinhámos à partida 7 bravos caracóis com uma comitiva de apoio moral e logístico (muito, muito obrigado João Martins, André Ferreira ,Sylvie Oliveira e Joana Godinho por todo o apoio que nos foram prestando ao longo dos kms em que estivemos em prova) como se vê em muito poucos lados! O céu estava negro mas desde que chegamos até às 23:50 não choveu rigorosamente nada. A esperança que os meteorologistas se tivessem enganado era grande e cheguei a pensar que ia fazer a prova quase sem chuva. 


7 Caracóis prontos para a partida

10min antes da partida, esses pensamentos foram literalmente por água abaixo, tal era a chuva que ia fustigando os atletas à partida. Ainda assim um minuto depois da meia noite a partida era dada... Saímos com um ritmo normal dos 100kms, sem carregar muito no acelerador mas também sem ir totalmente relaxado. O pessoal da frente ia passando por nós (eu, o meu mano mais velho e o Marco Lopes)... Tínhamos planeado fazer a prova a um ritmo certinho para conseguirmos chegar aos últimos 50kms com forças para correr! A chuva parecia querer acalmar e em menos de nada estávamos no primeiro abastecimento! 

Eu e o Pedro no primeiro abastecimento (O Marco estava a tirar uma pedra da sapatilha)

Daqui para a frente começou o meu calvário... A chuva que parecia acalmar caía em força de tempos a tempos, mal parecia que estávamos a começar a aquecer as mãos, caia nova carga de água que fazia logo esquecer essa ideia. Quando conseguíamos fazer 5kms sem chover, aparecia uma ribeira que era impossível passar sem molhar os pés... Mais um calafrio e siga para tentar secar os pés! Foi assim até aos 24kms. O corpo parecia querer continuar, sentia-me muito bem e estava praticamente sem dores nos músculos mas a cabeça estava a começar a entrar em pânico! O frio estava a bloquear-me as ideias e pior que isso... O gelo que sentia nas mãos estava a passar para o tronco! O casaco que levava não estava a conseguir aguentar a carga de água que estava a cair, já me sentia todo molhado e o corpo parecia não conseguir produzir calor para compensar esse frio! Aos 24kms pensei ficar mas a ideia de ir com o Pedro e com o Marco ajudou-me a mandar esquecer o psicológico e a seguir para mais 10kms até ao próximo abastecimento. Durante os primeiros 5kms passou-me tudo pela cabeça, trocar de roupa (o que não valia a pena porque ia precisar do casaco e ele já molhado, ia passar tudo para a roupa nova), parar no abastecimento até o tempo acalmar e fazer a prova sem objetivos de tempo (o que não era muito realizável porque o tempo esteve sempre igual) ou até seguir com um saco de plástico a fazer de impermeável (o que durante os 80kms que faltavam não se tornava muito viável).

Passagem no segundo abastecimento no Castelo de Penela

Durante estes 5kms fui fazendo tentativas de comer e de beber mas a verdade é que o frio não me estava a deixar liberdade de movimentos para isso, não tinha vontade nem de me dobrar para chegar ao flask nem de tentar apertar o fecho da bolsa do flask com a mão! No final desses 5kms iniciamos uma subida para um marco geodésico que não estava muito alto e logo a meio da subida a chuva começa a engrossar e percebo que já não era chuva, eram bocados de neve que se derretiam ao chegar ao nosso corpo! O desconforto era total e já nem pensar conseguia... Anunciei ao Pedro e ao Marco que ia ficar, não me ia estar a expôr aquele tempo sem equipamento adequado durante mais 75kms, a prova para mim tinha chegado ao fim! Quando disse isto, o Marco juntou-se a mim na decisão e o Pedro decidiu tentar seguir... No abastecimento seguinte o desfecho foi exatamente o mesmo, o frio já nem o deixava correr... A prova tinha acabado para este trio de caracóis que se tinham proposto a esta aventura!

Os caracóis foram caindo, como não é habitual nesta raça... Dos sete que partiram, dois continuavam em prova e a nossa força foi toda para eles! Ía vendo o estado em que o pessoal ía chegando... Vi caras de desespero, vi tremer pessoas como nunca tinha visto ninguém, vi gestos de amizade e carinho como só nestas provas se vê... Vi autênticos super homens e mulheres a superarem a própria natureza, num risco controlado e premeditado a ultrapassarem abastecimento a abastecimento os kms que faltavam para terminar esta jornada! Os nossos super homens de capa azul, Pedro Crispim e Gil Vicente foram-se superando e em menos de nada estavam em Condeixa prontos para cruzarem a meta e darem aquele abraço de companheirismo que tão bem conheço! Acreditem que hoje foram heróis e merecem tudo por este vosso feito! Muitos parabéns aos dois!

Muitos parabéns Campeões!
Permitam-me também felicitar um amigo que fui acompanhando ao longo da prova, Carlos Charrua, que apareceu num estado complicado também no abastecimento onde eu desisti, mas devagar, devagarinho foi fazendo a sua prova lutando para se juntar a este clube de super homens! Não conseguiste mas lutaste como muito poucos conseguem! És enorme!

Agora resta tirar as ilações desta prova, corrigir os erros que foram feitos e apresentar-me nas próximas provas com mais uma experiência na bagagem... Para quem estiver interessado estas foram as minhas aprendizagens:
1° - O equipamento é um fator determinante para um atleta! A diferença entre mim e grande parte dos atletas que iam passando nos abastecimentos era eles conseguirem manter o tronco seco e eu estar completamente ensopado!
2° - Não convivo bem com o frio! O equipamento deve ser adequado a cada pessoa... Ainda para mais agora que vou à Madeira tenho que levar equipamento suficiente para nem sequer pensar no frio durante a noite!

Assim ficou fechada a primeira tentativa de prova de 100kms da época! Em Abril há mais! Boas corridas a todos!

Comentários

Mensagens populares deste blogue

10ª Paragem 2023/2024: Primeira vitória numa ultra, Primeiro controlo Anti Doping no Trail

9ª Paragem 2023/2024: Ultra, porra!

4ª Paragem 2023/2024: Com um brilhozinho nos olhos!